11 de abr. de 2007

Uso de vitaminas no tratamento de doenças neurológicas de cães e gatos.

O conteúdo é um resumo do trabalho escrito por:
Cláudia Mayumi Nishioka & Mônica Vicky Bahr Arias
Citação: Uso de vitaminas no tratamento de doenças neurológicas de cães e gatos. Clínica Veterinária. , v.55, p.62 - 72, 2005.

Várias doenças neurológicas afetam cães e gatos, como conseqüência de alterações compressivas, inflamatórias, infecciosas, neurotóxicas, neoplásicas, vasculares, nutricionais ou traumáticas. Dependendo da etiologia da lesão, pode haver tratamento clínico, cirúrgico ou ambos. Algumas doenças nutricionais que causam deficiência seletiva ou excesso de ingredientes podem ter implicações neurológicas. Porém em muitas doenças ainda existem dúvidas de que as vitaminas sejam necessárias ou benéficas. As vitaminas são substâncias orgânicas necessárias em pequenas quantidades no organismo. Em geral, funcionam como catalisadoras ou reguladoras do metabolismo. Tradicionalmente, as vitaminas utilizadas na terapêutica do sistema nervoso são: tiamina (B1) , piridoxina (B6), cobalamina (B12) , vitamina E e vitamina C.

Fazem parte do complexo B a tiamina, riboflavina, niacina, piridoxina, ácido pantotênico e biotina, sendo que estas atuam como coenzimas no metabolismo energético e na síntese tecidual.
A demanda de tiamina ou vitamina B1 em um animal depende do nível de carboidratos presente na sua dieta, ou seja, rações ricas em gordura e pobres em carboidratos necessitam menos vitamina B1, pois é preciso menor quantidade desta para o metabolismo de gorduras do que de carboidratos. Ainda que esteja presente em uma diversidade de alimentos, é uma vitamina termolábil, portanto, facilmente destruída pelo calor. É também inativada pela enzima tiaminase, encontrada em vísceras de muitos peixes e em alimentos processados, nos quais a adição de conservantes de dióxido de enxofre ou sulfitos pode destruir a vitamina B1.
A deficiência natural de tiamina é pouco freqüente em cães e gatos e costuma ser decorrente da presença de fatores anti-tiamina nos alimentos, ao invés de uma deficiência vitamínica absoluta. Em caninos e felinos os sinais clínicos da deficiência de tiamina são: anorexia, ataxia proprioceptiva, ventroflexão do pescoço, coprofagia, consciência diminuída, ampla base, cifose, emese, paraparesia espástica progressiva, andar em círculos, convulsões generalizadas, opistótono, coma e morte. A administração intramuscular de cloridrato de tiamina por alguns dias na dose de 25 a 50 mg/dia em cães e de 10 a 20 mg/dia em gatos, mesmo em animais severamente afetados, resulta na remissão completa do quadro. Recomenda-se o uso da vitamina B1 como terapia complementar em cães e gatos com anorexia prolongada ou que estejam com poliúria crônica.
A piridoxina, ou vitamina B6, é formada por três componentes: piridoxina, piridoxal e piridoxamina .A carência da piridoxina em certos estágios do desenvolvimento interfere na proliferação, migração e maturação das células cerebrais. A deficiência de vitamina B6 é rara em cães e gatos, e as alterações descritas foram obtidas experimentalmente. Em humanos, há a hipótese de que a suplementação com vitamina B6 em alguns pacientes com cefaléia, dores crônicas e depressão relacionadas à deficiência de serotonina seja benéfica, pois a piridoxina pode elevar os níveis de serotonina. Devido à atividade neurotrópica da vitamina B6, em conjunto com a sua função fisiológica no cérebro, sugere-se que esta vitamina possa prevenir lesões neuronais induzidas por fatores citotóxicos, como os induzidos pelo glutamato. Entretanto, a administração de megadoses de vitamina B6 pode induzir doenças neurológicas em animais e no homem. Alguns cães apresentaram perda proprioceptiva marcante, dismetria, perda da propriocepção e ampla base, com início nos membros pélvicos. Os animais severamente atáxicos geralmente caem e eventualmente podem não caminhar, mas não apresentam fraqueza muscular. O mecanismo pelo qual a piridoxina é tóxica aos neurônios sensoriais é desconhecido.
A cobalamina ou vitamina B12 contém cobalto, sendo a única vitamina com um oligoelemento associado. A cobalamina intervém na transferência de unidades simples de carbono em diversas reações bioquímicas, no metabolismo de lipídeos e carboidratos e é necessária para a síntese de mielina. Em filhotes de ratos, foi demonstrado que a deficiência de cobalamina pode levar ao desenvolvimento de hidrocefalia. A deficiência de vitamina B12 adquirida pode ocorrer em cães idosos, associada à má-nutrição, má-absorção, insuficiência pancreática exócrina e supercrescimento bacteriano no intestino grosso. A deficiência de cobalamina hereditária pode ocorrer em filhotes da raça border collie e schnauzer gigante, embora haja relatos de um cão beagle, com 6 meses de idade, que apresentava condições similares aos animais afetados pela deficiência de cobalamina. Os sinais clínicos destes animais incluíam atraso no desenvolvimento, letargia, vômitos e convulsões. O tratamento com injeções parenterais de cianocobalamina, na dose de 50 mg/kg a cada duas semanas reverteu os sinais clínicos.

Vitaminas C e E -antioxidantes e os radicais livres
Radicais livres são moléculas reativas e instáveis, produzidos continuamente no organismo dos mamíferos como conseqüência dos processos metabólicos normais, que podem ser desativados por um sistema varredor de radicais livres e outros anti-oxidantes. Os exercícios físicos extenuantes, medicamentos, luz solar e infecções parecem colaborar para a formação destes radicais, que podem influenciar no desenvolvimento de muitas doenças crônicas e do envelhecimento por danificar a estrutura de lipídeos, proteínas e do ácido desoxirribonucléico (DNA) sendo este, provavelmente, o efeito mais significativo provocado pelos radicais livres, já que pode ocorrer alteração da expressão genética, modificação da função da célula e bloqueio dos mecanismos de reparo celular. No processo do envelhecimento, há diminuição dos recursos celulares para reparação dos danos oxidativos e um decréscimo na eficiência da função mitocondrial, resultando no aumento da produção de oxidantes celulares, particularmente mais deletérios ao sistema nervoso, que apresenta menor defesa contra os radicais livres.
A suplementação alimentar com antioxidantes (vitaminas, minerais e carotenóides) pode diminuir os danos ao DNA e melhorar o estado imunológico. Tal afirmação tem aplicação em um amplo contexto, já que as lesões causadas por radicais livres são associadas a várias doenças degenerativas, tais como o câncer, artrites, doenças neurodegenerativas e cardiovasculares. Além disso, o estresse oxidativo pode contribuir em várias alterações após lesão e isquemia cerebral.
As vitaminas C e E, devido às suas funções antioxidantes, protegem a membrana e os componentes citoplasmáticos das alterações produzidas pelos radicais livres. Os antioxidantes possuem efeitos sinérgicos, por exemplo, a vitamina C recupera a vitamina E após a reação desta com um radical livre. Em humanos, demonstrou-se que a combinação de antioxidantes às terapias convencionais, no tratamento de doenças neurodegenerativas, pode oferecer benefícios adicionais aos pacientes.
A miopatia associada à deficiência de vitamina E ou doença do músculo branco ocorre em ruminantes, cavalos, suínos e raramente em cães e gatos. Os sinais clínicos incluem fraqueza, disfagia, disfonia, andar rígido, dificuldade para levantar-se e rigidez cervical, e estes sinais podem ser exacerbados com o exercício. As enzimas séricas musculares estão elevadas, principalmente a creatina cinase (CK). Pode-se observar lesões musculares bilaterais simétricas, com palidez e estrias esbranquiçadas longitudinais na musculatura e mineralização das fibras musculares. O diagnóstico é baseado na anamnese, sinais clínicos e alterações histopatológicas. Os animais diagnosticados precocemente recuperam-se após reposição com vitamina E e principalmente correção da dieta. Cães jovens alimentados com dietas deficientes em vitamina E podem apresentar ainda sinais clínicos sistêmicos, como necrose no miocárdio, mineralização renal e alterações intestinais.
O ácido ascórbico ou vitamina C é sintetizado no fígado, a partir da glicose, nos animais como o cão e o gato e nos rins de anfíbios e répteis. O homem e outros primatas, bem como as cobaias e alguns morcegos, são incapazes de sintetizá-lo. O organismo requer a vitamina C para a hidroxilação da prolina, utilizado na síntese de colágeno, útil para a integridade do tecido conjuntivo, cartilagens, matriz óssea, dentina, pele e tendões. Está envolvida ainda na cicatrização de feridas e fraturas e também reduz a suscetibilidade às infecções. O ácido ascórbico está presente em todos os tecidos e é encontrado em altas concentrações no córtex adrenal e hipófise. O ácido ascórbico é um antioxidante eficaz e pode ser importante na proteção das doenças de estresse e degeneração. Não é capaz de atravessar rapidamente a barreira hematoencefálica, mas a difusão desta vitamina para as células cerebrais é dependente de oxigênio e energia, de acordo com o gradiente de concentração da vitamina. Foi demonstrado que o ácido ascórbico pode suprimir o crescimento viral em células que apresentam infecções crônica e aguda por diferentes vírus. Também estimula a atividade fagocítica, a produção e função das células T .

Indicações terapêuticas:
As vitaminas com atuação no sistema nervoso tem indicação precisa nas deficiências, assim, em pacientes apresentando sinais clínicos compatíveis com carência vitamínica, pode ser feito a adminstração de vitaminas, desde que com critérios.
As infecções no sistema nervoso central (SNC) em animais de companhia podem ser causadas por uma variedade de agentes, como o vírus da cinomose e da raiva, fungos, como o Criptococcus sp. e Histoplasma sp., protozoários como o Toxoplasma sp., riquétsias, como a Ehrlichia sp. e bactérias, como o Staphylococcus sp.
O sucesso terapêutico nas infecções do SNC requer identificação precisa do agente causador da infecção, para que o fármaco adequado, como antibióticos, anti-fúngicos ou anti-protozoários sejam corretamente empregados. Essas doenças não são prevenidas ou curadas com o uso de uma única vitamina, e muitas doenças infecciosas não tem cura. A deficiência de um ou mais nutrientes pode predispor ou contribuir para a infecção, mas não existem evidências no homem ou em animais, de que doses maciças de uma determinada vitamina ou qualquer outro ingrediente alterem de modo favorável o curso de uma infecção. A imunidade é um fator importante na defesa contra infecções e deve-se ter em mente que a nutrição auxilia o desenvolvimento da resposta imune, mas não substitui o tratamento ideal.
Na cinomose, os anticorpos contra o vírus interagem com macrófagos infectados, causando a sua ativação e liberação de radicais livres, que são importantes na indução de lesões nervosas nas células produtoras de mielina, os oligodendrócitos. Com base nessas informações, propõe-se que os antioxidantes como as vitaminas E e C, superóxido dismutase e quelantes de ferro poderiam ser utilizados no tratamento desta doença, embora ainda não existam pesquisas que dêem suporte aos seus usos nesta enfermidade. Além disso, a deficiência de vitamina E poderia estar envolvida na ocorrência de falha vacinal, pois já foi demonstrado que a suplementação da dieta com antioxidantes levou a melhora da resposta imune após vacinação. A administração de vitaminas do complexo B na cinomose é indicada como uma terapia inespecífica para repor as deficiências vitamínicas decorrentes da anorexia e diurese, e também para estimular o apetite.

A mielopatia degenerativa ou radiculomielopatia degenerativa, é uma enfermidade neurológica progressiva, de etiologia desconhecida, que geralmente afeta cães de meia idade e raças de grande porte, particularmente os pastores alemães, não havendo predisposição sexual. É caracterizada por perda de mielina e axônios, com inicio na região toracolombar da medula espinhal. Observa-se paraparesia espástica, perda da propriocepção, hiperreflexia patelar, presença de reflexo extensor cruzado e preservação do reflexo do panículo e sensibilidade dolorosa. O curso da doença é crônico e progressivo, geralmente em um período de seis meses a um ano após início dos sinais clínicos, com mau prognóstico. O diagnóstico é feito através da anamnese, história clínica e exclusão de outras doenças, como a doença do disco intervertebral, discoespondilite, neoplasias medulares, estenose lombossacra e displasia coxofemoral. Em um estudo, alguns cães afetados apresentaram enteropatia associada, acompanhadas por uma proliferação bacteriana no suco duodenal e níveis séricos de vitamina E e B12 diminuídos. Foi então proposto que a administração destas vitaminas poderia ser benéfico no tratamento da doença, entretanto os sinais clínicos da enfermidade não foram revertidos com a administração parenteral de cobalamina ou vitamina E .
Com o envelhecimento, as células sofrem um processo degenerativo gerado por alterações metabólicas e diminuição da função das mitocôndrias, com aumento da produção de oxidantes celulares, inclusive em cães, que apresentam disfunção cognitiva, afecção beta amilóide e lesões oxidativas semelhantes aos seres humanos. Em cães da raça beagle a deterioração cognitiva dependente da idade foi parcialmente reduzida após manejo alimentar específico durante seis meses. A dieta foi suplementada com vitamina E, vitamina C, cofatores enzimáticos mitocondriais (ácido a-lipóico), L-carnitina, frutas e vegetais ricos em carotenóides e flavonóides. Demonstrou-se, através da performance dos animais frente a vários testes de aprendizado, que o dano oxidativo às mitocôndrias pôde ser parcialmente reduzido com esta dieta, mostrando que os anti-oxidantes ou os cofatores mitocondriais diminuem o declínio cognitivo associado à idade, através da diminuição dos radicais livres. Outra hipótese é que os anti-oxidantes possam ter atuado através de suas propriedades anti-inflamatórias, como já demonstrado em humanos com demência.
O uso da tiamina (25-50 mg/animal IM) é recomendado no protocolo de manejo emergencial de animais em convulsão, antes da administração da glicose, porque a vitamina B1 é uma co-enzima essencial para a utilização da glicose pelo cérebro. A tiamina pode oferecer melhor suporte metabólico para que o SNC restabeleça a homeostasia. Entretanto, a hiperglicemia pode exacerbar as alterações neuronais induzidas pelo estado epilepticus, e por isso, o uso de glicose em pacientes com convulsões deve ser cauteloso, a não ser que se saiba que haja uma hipoglicemia verdadeira.
Após a ocorrência de trauma, o SNC apresenta um desequilíbrio na produção de eicosanóides (leucotrienos, prostaglandina F2a, tromboxano A2 e prostaciclina I2), que resulta em vasoconstricção e agregação plaquetária. Ocorre diminuição da perfusão tecidual, provocando isquemia na substância cinzenta e formação de radicais livres. O excesso de radicais livres ocasiona a peroxidação de lipídios, e o encéfalo parece ser particularmente vulnerável, devido à quantidade de ácidos graxos poli-insaturados. A isquemia severa na substância cinzenta pode levar à necrose da mesma e da substância branca, lesando axônios e mielina. A extensão da lesão causada por radicais livres e eicosanóides no SNC está relacionada com a severidade e com o tempo decorrido do trauma. Em modelos animais, a administração oral de vitamina E e selênio antes do trauma cerebral protegeu de modo significativo o tecido nervoso. Em gatos, demonstrou-se que o tratamento prévio por 5 dias com uma combinação de vitamina E e selênio, antes da indução de lesão medular, preservou a perfusão da medula espinhal e melhorou a recuperação neurológica. As vitaminas anti-oxidantes podem auxiliar no tratamento do trauma medular e craniano, embora não haja trabalhos experimentais com o uso dessas substâncias após a ocorrência do trauma medular, somente antes da indução da lesão.
As vitaminas do complexo B, C e E são freqüentemente usadas no tratamento de algumas doenças neurológicas, muitas vezes sem necessidade ou na tentativa de substituir o tratamento mais adequado, por desconhecimento ou falta de acesso a veterinários com preparo na área de neurologia. Nas deficiências estas vitaminas têm indicação precisa, porém pouco se sabe sobre seus efeitos nas doenças neurológicas oriundas de outras etiologias.

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